domingo, 26 de outubro de 2008

PENSADORES DA MADRUGADA II - HOMENAGENS VELADAS

PENSADORES DA MADRUGADA II – HOMENAGENS VELADAS
É tarde...
Entre uma chamada e outra do msn, recolho noticias de jornal, idéias de filósofos, poesias, blogs de parceiros, e começo a construir mais um texto que não obedece à totalidade da norma culta da língua, nem do academicismo, mas que se prepara para libertar seu grito na grande rede, com total liberdade de expressão e sem medo da repressão ou da mordaça.
Parece incrível, mas passar horas conversando na Internet com uma intelectual mostra-nos, de ambos os lados, a produção que pode ser feita através do debate saudável, de uma interpretação coerente e de idéias que, embora pensadas, não foram sistematizadas ou não encaradas como importantes para serem debatidas, nem relevantes para que sejam lidas.
E as blogagens vão agora tomar a forma de mais dois pensadores da madrugada. Líria se prepara para discutir sua indignação. E como o faz bem. Leio seus textos antes de serem publicados e às vezes até uma pontinha de “queria ter escrito isso” me bate aqui. Mas eu sei que também, de alguma forma, estava presente naquela escrita, assim como em outros pensadores da madrugada, repartidas as idéias e assim multiplicadas. Estamos presentes nos textos um do outro quando somos seus personagens, pseudônimos pujantes e cerimoniosos, pessoas comuns de narrações comuns que visam acabar com tantos pensamentos comuns que só reforçam o ideário da (re)produtividade capitalista devastadora, que cria modelos tão descartáveis e fúteis como os seus seguidores, esses que se julgam gigantes, mas só o são se encontram formigas à sua frente; em contraste com os grandes de verdade, esvaem-se como pó.
E hoje de novo durmo tarde. Porque ainda havia essa missão de homenagear especialmente essa pensadora da madrugada. E os nossos leitores da madrugada. Nossos interlocutores. Nossos exemplos, e também aos nossos pais, mães, filhos. Nossos rompedores de paradigmas, nossos reformuladores de conceitos, nossos ressignificadores da verdade já existente.
Nós, ousados escritores de uma liberdade sem fim. Pretenciosos releitores de obras esquecidas e de intenções não realizadas pelos seus autores originais. Nós, argumentadores do fraco, amplificador da voz do oprimido, restaurador do pensamento de quem aprende, questionador da verdade de quem augura em ser mestre.
E construímos mais uma blogagem. Para alguns, mais uma bobagem. Mas ao poeta, nenhuma rima é pobre. E se usarem essa rima, que pensem em que significa. Porque nossa bobagem de hoje será o sucesso futuro.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

GÊNEROS: IGUALDADE, DIFERENÇA E REFERÊNCIAS

Sei que é um pouco grande... Mas será que não vale à pena ler?

Artigo Selecionado para o Prêmio Igualdade de Gênero - 2007.


GÊNEROS: IGUALDADE, DIFERENÇA E REFERÊNCIAS


RESUMO
O presente trabalho apresenta uma discussão sucinta e bibliográfica sobre o tema Igualdade de Gênero e pretende ampliar espaço para o fomento de discussões que vêm tomando corpo no meio acadêmico e científico, buscando analisar a temática com foco na discriminação da mulher dentro de uma sociedade machista e conservadora. Aborda uma discussão sobre igualdade, diferenças, história e educação, traçando um contexto cultural na perspectiva brasileira dos estudos de gênero.

INTRODUÇÃO
Os anos iniciais de um século costumam confundir sua história com os anos finais de seu precedente. Em um conjunto macro da História o gênero aponta para um foco de grande relevância de pesquisa, ao mesmo tempo em que o debate em torno da temática se expande e ganha novas defesas.
Louro (2001)
[1], aponta para um período de dois séculos na temática de estudos: “Nos dois últimos séculos, a sexualidade tornou-se objeto privilegiado do olhar de cientistas, religiosos, psiquiatras, antropólogos, educadores, passando a se constituir, efetivamente, numa 'questão'”. Entretanto, a sexualidade por ela apontada no período dos últimos duzentos anos não concentra especificamente a questão de gênero como a tônica da questão. O discurso sobre sexo e sexualidade, perpassando a linha foucaultiana da visão de prazer de saber, abre caminho para uma concentração de estudo sobre gênero no sentido de sua igualdade e a relevância não só da temática, mas da prática em torno desta.
Em uma abordagem menos exclusivista e menos machista, não se torna fácil buscar referencial de igualdade com a mesma amplitude que os escritos que subjugam as minorias sexuais. A construção de uma identidade patriarcal ao longo da História humana no planeta arraiga-se nas mentes, fortalecendo os preconceitos e, em situações desconfortáveis para a ciência, criando espaços para tripúdio, que em alguns momentos ultrapassa esse limite até à exclusão, nas conversas cotidianas, nos espaços populares, na mídia e em focos de formação de opinião, o que amplia a vantagem da discriminação e preconceito sobre a luta da ciência e da educação para reverter o quadro e tornar eficiente uma nova visão de igualdade, não apenas a garantida em legislação, mas a internalizada culturalmente e que ganhe um espaço natural em uma reescrita da história, reconstruída a partir de ações que possam ressignificar as relações de gênero e igualdade na convivência de um povo.
Ao discorrer sobre gênero e sua igualdade, as vertentes que poderiam se apresentar passam pela questão da sexualidade e suas escolhas, sejam elas consideradas como opção, orientação ou biológicas. Torna-se necessário definir que concentraremos a temática na questão da mulher e suas relações na sociedade, não abrindo, neste artigo, questões em torno na homossexualidade e as possibilidades de estudo de um gênero diferenciado a ser estudado, tanto social como cientificamente. A crescente aceitação e espaço na mídia ao homossexualismo já funcionam como uma variedade de estudo de gênero que, embora importe ao conjunto de investigações sociais e científicas, não será abrangido neste estudo, que contemplará o gênero feminino em sua proeminência e relevância.
Sugere-nos a sociedade que em todos os seus setores ainda resta uma carga de preconceito contra a mulher. Suárez et.al. (1995)
[2], em artigo sobre o crime sexual, aponta nas respostas a sua pesquisa que, “em geral, quem realiza o crime sexual é o homem vestido na sua cultura de macho, se acha com direitos sobre a mulher ... Pelo entendimento do homem ser superior à mulher, ter uma ascensão sobre a mulher, direitos sobre a mulher, e a mulher não tem querer.” Esta visão, enraizada no seio de uma cultura machista, leva as autoras a apontarem a discriminação contra a mulher como uma “questão cultural. Problema de socialização das pessoas”, o que cria maior dificuldade de combater e reverter o fato.
A violência de gênero, ou seja, aquela que é gratuita pelo fato de ser mulher, independente de sua formação social, racial, econômica e outras, leva o Congresso Nacional a criar uma lei
[3] visando garantir direitos que deveriam ser natos, culturais e sociais, como algo natural da convivência entre seres de uma mesma espécie, em uma estrutura social organizada como “civilizada”, sem necessidade de comentários sobre o sentido da expressão.
A Lei, que cria mecanismos para punir com maior rigor a violência doméstica e contra a mulher, denota que a população brasileira encontra-se em um patamar social e cultural questionável, onde as regras consuetudinárias são pouco cordiais e altamente discriminatórias e, assim como no caso do racismo, que exigiu a criação de lei estabelecendo como crime inafiançável, a Lei Maria da Penha busca exprimir a necessidade de não discriminar alguém que é igual a todos, ou seja, reconhece a sociedade como machista e para que a mulher refute esta condição, deverá basear-se nos artigos da lei. Parece exprimir a mesma redundância que o inciso 42 do artigo 5º da Constituição Federal, uma vez que, sendo um povo mestiço, apresentamos um racismo visível. E, sendo homens e mulheres componentes da mesma sociedade e formadores e perpetuadores da espécie, pelo menos até este momento histórico, por que não respeitar, naturalmente, um ao outro, de maneira a ter no fato e não apenas no direito, a garantia de igualdade?

HOMENS E MULHERES – DIFERENÇAS OU REFERÊNCIAS?
As nuances que permeiam as relações homem-mulher são muito variadas e, ao mesmo tempo, muito tênues. As discriminações contra a mulher se revelam no cotidiano das pessoas e até mesmo entre o próprio gênero, não por baixa auto-estima ou comportamento similar, mas pela inserção na sociedade patriarcal machista que gera seus estereótipos e eleva a carga de preconceito e dissabores em relação ao feminino.
Assim, não é pouco comum encontrarmos o pré-conceito na fala de parcela significativa da sociedade urbana, mesmo entre as mulheres, de que “mulher no volante, perigo constante”, “mulher fala o tempo todo”, “mulher é mais consumista”, “tinha que ser mulher”, entre outras expressões que, certamente partem de ambos os sexos, reforçando um ideário no qual se inserem características não verdadeiras nem fundamentadas que tais atitudes estão ligadas ao gênero e não a pessoas, por serem meramente comportamentais ou, em alguns casos, de habilidades, que geralmente se aprendem ou se desenvolvem ou não, mas não se aplicam suas aprendizagens e desenvolvimento ao gênero.
As diferenças anatômicas entre macho e fêmea, onde se encontram, e em nossa espécie elas são notórias, não têm que estabelecer as diferenças comportamentais, sociais e nem devem determinar as competências que cada um segmento da espécie deva apresentar. Não é incomum encontrar falas a respeito de mulheres que se destacam na sociedade como sendo uma surpresa ou um grande diferencial, com expressões caricaturadas do tipo “apesar de ser mulher...”, o que denota o sentimento expresso tanto entre homens quanto entre mulheres que habitam uma cultura mergulhada em uma carga de preconceitos tão elevada, que as atitudes e estudos em prol da mudança precisam se intensificar numa proporção maior que as divulgações e naturais esforços na perpetuação dos milenares comentários e estabelecimento de status masculino e feminino.
Mulheres e homens, sendo diferentes anatomicamente, apresentam também funções biológicas diferenciadas, assim como papel diverso em relação à espécie e sua sobrevivência. A força braçal do sexo masculino em uma proporção diferenciada da mulher, acabou por sinalizar, erroneamente, certos “direitos” de supremacia. Por sua vez, nesta mesma relação e dentro da visão semelhante, educava-se (educa-se?) a mulher visando um apelo a sua sensibilidade, ao seu vigor amoroso, à sua ternura. É um imaginário desenhado cuidadosamente na mente humana, de machos e fêmeas, reforçado pela mídia, pela sociedade, pela política (a maioria dos parlamentares são homens) e até mesmo pelo enlace religioso. Uma canção cantada pelos católicos e por muitos outros cristãos do Brasil, a “Oração pela Família”, traz em sua letra alguns trechos de ideologia linear, deixando o entendimento do povo no limiar da segregação, pelo seu estabelecimento de funções.
[4]
Diferenças anatômicas, funcionais ou dentro da “missão” de perpetuação da espécie não implicam em superioridade ou inferioridade. O momento histórico em que os testes de Q.I. não mais são o parâmetro da inteligência (se bem que nunca o foram como provas de inteligência superior ou inferior quanto ao gênero), e com um constante galgar degraus por parte das mulheres, é especificamente o momento da oportunidade.
Esclarecemos que não nos referimos apenas à oportunidade de empregos, postos ou destaques, estas são e serão conseqüências de outro tipo de oportunidade, a saber, a possibilidade de compreensão sobre a igualdade entre os gêneros. É importante a projeção da mulher numa ação afirmativa que amplie as possibilidades de aceitação e naturalidade por parte da sociedade, numa reivindicação justa de igualdade. Não pode se tratar de uma guerra, pois desse modo a igualdade também teria seu direito ferido. Trata-se da organização social criar ou transparecer um número maior de referenciais femininos como algo natural ao espaço do mundo.
Quando se verifica na mídia que os anúncios mais caros e com maiores apelos visuais destinam-se ao público masculino, expondo, em inúmeros momentos, a mulher como um objeto que gera o desejo do consumo, como em propagandas de cervejas, exemplo clássico desta fala, reforça-se o critério social de atingir mais profundamente o homem, seja por ser um consumidor com mais dinheiro ou, por que não pensar nisto, alguém que merece ser mais lisonjeado pela mídia, com anúncios à altura de sua posição social de cabeça da casa.
Com um olhar descomprometido, encontraremos nomes de centenas de mulheres construíram lugar de referência na sociedade atual, mas nem todas foram destacadas pela mídia como exemplo a ser seguido e tiveram seu pódio aclamado com ecos de louvor espontâneo. A própria terminologia usada para se falar de “grandes homens” é mais comum, uma vez que eles são os heróis da história e as figuras abençoadas de mulheres de destaques são minorias que não proporcionam razões suficientes para figurarem nos anais dos grandes feitos.
É preciso referenciar o mundo como masculino e feminino
[5] como aberto a iguais possibilidades de ascensão, provimentos, controle, liderança, expertise e, acima de tudo, respeito pelo espaço do outro, mesmo que este seja de um gênero diferente. Ao criarmos referências em um momento presente, plantamos sementes férteis para um futuro não muito distante, uma vez que acreditamos bastar uma ou duas gerações para desencadear novos comportamentos e disseminar costumes que incidirão diretamente em mudanças de posturas e reorganização cultural.

MÍDIA CONTRA E A FAVOR: ESFORÇOS E HISTÓRIA PARA MUDAR POSTURAS
Redundante será retomar a posição da mídia diante dos conflitos de gênero, mas também não se pode negar a contribuição histórica ao notarmos abordagens que indicam luta de mulheres, valores sociais presentes e tipicamente masculinos assumidos por mulheres, narrados em histórias reais, com bases reais, ou mesmo em uma ficção possível, trazendo temas à reflexão e a discussões que são oportunizadas a partir de obras cinematográficas, novelas e outras séries televisivas.
Nesta perspectiva, gostaríamos de destacar duas análises positivas do cinema, embora não tenham sido recordes de bilheterias. O primeiro, “Em Nome de Deus”
[6], com o título original “The Magdalene Sisters”, narra a história de jovens que permaneciam em um convento da Irlanda, em regime fechado, trabalhando como escravas, por terem praticado determinados “delitos” na sociedade católica machista na década de 1960. Os delitos pareciam resumir-se a atos sexuais ilícitos, gravidez antes do casamento ou simplesmente olhar mais atentamente para um homem.
Embora a narrativa não mencione, deduz-se facilmente que aos autores do “delito” pertencentes ao sexo masculino nada acontecia, ao passo que às mulheres era destinado castigo cruel, praticamente para o resto de suas vidas. A infração era punida unilateralmente, pois só o sexo feminino envergonhava a família e a expunha como opróbrio perante a sociedade. Violência, abuso de poder, sexual e econômico permeiam toda a trama, onde a mulher sofria humilhação, exposição pública, castigos inimagináveis e privação de vida social. E não era por escolha própria, como resignação ou vocação. Era penitência pelo “pecado” .
O trabalho nas lavanderias dos conventos era algo cruel, mas quem pensa que se distancia de nossa era, cumpre-nos informar que tais atividades só foram suspensas na Irlanda, país membro do Reino Unido, cristão, desenvolvido e alfabetizado, em 1996, oito anos após a publicação de nossa Constituição atual e no mesmo ano da publicação de nossa LDB, legislações que procuram colocar em igualdade a criança e adolescente, independente do gênero, origem, raça, credo ou outro fator de identidade do ser humano. A falsa moralidade mantida pela cumplicidade entre igreja e família, em um dogmatismo intolerável para dias tão recentes, pressupõe também uma apologia ao machismo e uma fragilização do feminino, com sua exposição ao mundo como parâmetro normal de punição à mulher e liberdade ao homem.
Realidade duramente retratada, a história apresenta também a persistência de quatro jovens, que ali foram parar por motivos semelhantes, ou seja contato, forçado ou não, com alguém do outro sexo, mas que não se conformaram e lutaram para romper o sistema e engajadas no afã de liberdade, assumiram riscos e conquistaram, cada uma a seu modo e em seu tempo, um destino diferente que muitas outras que morreram às mãos das freiras, confinadas no trabalho e na austera disciplina imposta pelo regulamento, duro e implacável. Questão de gênero, de luta, de vitória, de ruptura e de incentivo a novas reflexões na proposta de repensar as punições e recompensas diferentes para homens e mulheres; questão de respeito pelo ser humano, seja ele de que gênero for, de que origem venha e de justiça diante da proporção de seu crime, se é que tenha algum cometido, ou apenas agido diferente da dogmática estabelecida, via de regra, pelos ideais machistas e preconceituosos que embasam a moral da sociedade.
Em um segundo momento, numa história de ficção, não há uma evidente carga de discriminação em atuação, mas um momento de louvor a uma atitude diferenciada do personagem principal que, apesar de ser do sexo masculino, aponta caminhos além de simples cavalheirismo ou gestos de galanteios em sua convivência com o sexo oposto. O filme “Escola da Vida” (EUA, 2005)
[7], traz no personagem do professor Mr. D. uma expectativa de conscientização de toda uma classe.
Ao iniciar seu trabalho como professor de História, explana aos seus alunos que não mais usaria o termo “História” isoladamente (em inglês History), mas sim o termo Hertory e History, utilizando os pronomes her (dela) e his (dele) para estudar a disciplina que, segundo ele, não podia ser a narrativa apenas dos feitos dos seres de sexo masculino, a saber “his”, mas de toda a humanidade, que incluía, de forma efetiva e relevante, a atuação do sexo feminino, ou seja “her”.
Embora ficção, debruçar-se sobre o tema sinalizará uma ação afirmativa, onde o ensino na mais tenra idade proporcionará criação, análise e fixação de valores divergentes dos conhecidos contemporaneamente e atuantes no mundo das crises do gênero e da desigualdade proposta pelas diferenças existentes e pela ideologia dominante.

GÊNERO, HISTÓRIA E EDUCAÇÃO
Longa e árdua tem sido a trajetória de reconhecimento da igualdade de gênero no mundo contemporâneo, num esforço sobre-humano para superar barreiras e refazer a história, ressignificando-a, com um sentido mais próximo de uma verdade menos manipulada e excludente.
O modelo positivista, ao estudar as mulheres, apenas sugere o exame de semelhanças e diferenças em relação aos homens, acentuando sua posição de desigualdade e submissão ao modelo pré-estabelecido pelo mundo masculino. Embora este modelo reivindique oportunidades iguais para as mulheres àquelas dadas aos homens, mantém uma limitação e cerceamento deste direito e destas oportunidades.
Jane Soares de Almeida
[8] refere-se a estudos de omissão em relação à categoria representada pelo gênero, uma vez que “o androcentrismo que permeia as construções teóricas das ciências sempre relegou os feitos femininos a um plano praticamente inexistente”[9]. Afirma ainda que, embora as mulheres tenham sempre se integrado à história, dentro das condições concretas que existiam nas diferentes épocas, a influência do mundo masculino sombreou os aspectos educacionais vigentes, mantendo em segundo plano a ação feminina.
Rosemberg (2001)
[10], apresenta-nos um questionamento reflexível e oportuno:
Resolvi, então, apresentar, mais uma vez, um panorama sobre a situação educacional de homens e mulheres no Brasil, porque ele evidencia, a meus olhos, a confluência de descompassos entre (e intra) produção de conhecimentos acadêmicos, agenda dos movimentos feministas, especialmente internacional (incorporada nas Conferências), organizações multilaterais, governo e políticas públicas. Penso, também, que tal panorama constitui uma esfinge para teorias feministas universalistas: a dominação de gênero assume contornos equivalentes em todas as instituições sociais? Em todas as fases da vida? Significa sempre discriminação contra as mulheres?
[11]
Ao questionamento levantado, ela apresenta propostas de estudo sobre estatísticas educacionais desagregadas por sexo, indicadores educacionais referentes a homens e mulheres, e descrições e interpretações conclusivas.
Nas estatísticas educacionais, aponta como ponto positivo a criação de tabela e lançamento de dados específicos por gênero, possibilitando uma visão panorâmica do quadro de aproveitamento, evasão, repetência e outros que possam sugerir uma desigualdade de gênero e de avanços e retrocessos nesta relação.
Quanto aos indicadores educacionais referentes a homens e mulheres, analisa, a priori, que “o diferencial homem-mulher no sistema formal de ensino brasileiro não é intenso, atinge de modo diferente as diferentes idades da vida e etapas escolares, e transparece mais na progressão das trajetórias escolares do que em barreiras específicas de acesso”,
[12] ou seja, conforme vai aumentando o nível e grau de escolaridade, vai diminuindo a proporção de mulheres em relação aos homens nos bancos escolares.
Em sua análise final, um destaque a ser abordado é sua visão de segregação tanto escolar quanto no mercado de trabalho, uma vez que as funções ainda se definem claramente e os estereótipos ainda se encontram arraigados na mente e nas emoções, na história e na cultura, nos números e nas pesquisas acadêmicas do povo brasileiro.
Em relação à história e construção da sociedade, considerando o trabalho como processo histórico do ser humano, Cláudia Mazzei Nogueira
[13], traça um perfil histórico do trabalho feminino e de sua importância desde as sociedades pré-capitalistas, de forma não menos intensa e segregadora, uma vez que a remuneração e as funções específicas ainda são lutas em muitos segmentos do mercado de trabalho que ocupa a mulher.
Mesmo em considerações com análises voltadas para bases sociais progressistas, que observam o ser humano sujeito da História, o registro das ações femininas ocupam uma parcela ínfima diante dos registros masculinos. Nogueira
[14] aponta a omissão das informações sobre as mulheres que nem ao menos figuravam nos recenseamentos, exceto quando eram herdeiras, até o Século III de nossa era. O percurso até A Idade Média permanece sectarista, mesmo sendo este período de trabalho intenso da mulher, principalmente a camponesa, com dupla jornada, a doméstica e a agrícola, sem entretanto ter os registros apontados, ocasionando escassez de relatos históricos sobre a condição feminina.[15]
A industrialização ampliou a feminização do trabalho, acelerando o processo de contratação e permanência do feminino enquanto operária, mantendo, dos anos iniciais até a segunda metade do Século XX, mesmo assim, um processo de marginalização, com salários inferiores, funções de menor importância na hierarquia dos valores aceitos na sociedade, além de incluir ou manter a dupla jornada, na sobrecarga das tarefas domésticas. E os grandes sujeitos da História continuaram, via de regra, sendo os homens.
CONCLUSÃO
Defender a igualdade de gênero impõe-se como tarefa cercada de dificuldades, mesmo em teoria, uma vez que a construção do imaginário social e as raízes culturais compõem barreiras inegavelmente sólidas e perversamente alimentadas pelos sistemas sociais, econômicos, religiosos e de comunicação.
Resgatar a dívida de milênios em relação ao subjugo, à discriminação e ao preconceito é tarefa que não se cumpre em um espaço de tempo tão curto quanto uma vida de pesquisa. Uma mudança pode se estabelecer com uma educação não discriminatória em duas gerações, mas a permanência vai depender de investimentos robustos em conscientização e ações de vanguarda eficazes e eficientes.
Louro
[16] questiona a vertente feminista como uma não possibilidade do “estabelecimento de um conjunto de conceitos teórico-metodológicos assentados, estáveis, mais ou menos indiscutíveis e aceitos por todas/os”. Entretanto não permite a ausência de estudos, mesmo que em linha de investigação feminista, que “resgatam a presença feminina na História, nas Letras ou nas Ciências, bem como os estudos que denunciam (e explicam) o processo de silenciamento a que as mulheres foram submetidas nesses e em outros campos”.[17]
Defende ainda que tais estudos não devem assumir uma posição de revanche, mas de conscientização e da busca real pela igualdade e não para a supremacia ou superioridade de um gênero apenas.
Particularmente, nas considerações finais, procuramos destacar que como se apresentam hoje as relações de gênero, certamente não pode continuar. Todavia, que não haja um embate solidificado pelos sofrimentos causados no contexto histórico milenar de opressão e subserviência a que foi submetido o feminino. E que as estruturas se fortaleçam para a expectativa de real igualdade, nas oportunidades, nos acessos e nos provimentos de condução da sociedade a um caminho mais justo. Homem e mulher deveriam se olhar como gênero humano. Masculino e feminino poderiam ser apenas, como se pensa biologicamente, subdivisões da anatomia. Em um processo de permanente busca de relações mais perfeitas, mais sensíveis, mais fortes e mais sólidas.



[1] LOURO, Guacyra. Teoria Queer in Um Corpo Estranho.
[2] SUAREZ, Mireya, et.al. Reflexões sobre a Noção de Crime Sexual.
[3] Lei Maria da Penha – Número 11.340, de 07 de agosto de 2006
[4] “Que a família comece e termine sabendo onde vai, / E que o homem carregue nos ombros a graça de um pai./ Que a mulher seja um céu de ternura, aconchego e calor / E que os filhos conheçam a força que brota do amor.” Padre Zezinho – Oração pela Família, Paulinas, 2000.
[5] Mais uma vez lembramos que a homossexualidade não faz parte deste estudo, assim o tratamento direto homem/mulher, masculino/feminino não pretende causar impactos ou ampliar o preconceito, apenas optamos por uma visão delimitada, neste artigo.
[6] Mullan, Peter (diretor), Inglaterra, 2002.
[7] DEAR, William. (diretor), 2005.
[8] ALMEIDA, J.S. Mulher e Educação: a paixão possível. UNESP,1998.
[9] Idem.
[10] ROSEMBERG, Fulvia. Educação formal, mulher e gênero no Brasil contemporâneo. Rev. Estud. Fem. v.9 n.2 Florianópolis 2001.
[11] Idem.
[12] Idem.
[13] NOGUEIRA, C.M. A feminização no mundo do trabalho. 2004
[14] Idem.
[15] MENICUCCI, 1999, p. 59, apud Nogueira, op. cit.
[16] LOURO, G.L. Gênero, Sexualidade e Educação.
[17] Idem.


REFERÊNCIAS

ALMEIDA, J.S. Mulher e Educação: a paixão possível. São Paulo:UNESP,1998.
DEAR, William. (diretor), A escola da Vida. Filme. EUA,2005
LOURO, G.L. Gênero, Sexualidade e Educação. 8 ed. Petrópolis: Vozes, 1997.
___________. Um Corpo Estranho. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
Mullan, Peter (diretor), Em Nome de Deus. Filme. Inglaterra, 2002.
NOGUEIRA, C.M. A feminização no mundo do trabalho. Campinas: Autores Associados, 2004.
ROSEMBERG, Fúlvia. Educação formal, mulher e gênero no Brasil contemporâneo. Rev. Estud. Fem., Florianópolis, v. 9, n. 2, 2001. Disponível em: . Acesso em: 06 Nov 2006. doi: 10.1590/S0104-026X2001000200011. SUAREZ, Mireya, et.al. Reflexões sobre a Noção de Crime Sexual. Série Antropologia. Brasília, 1995. disponível em <http://www.unb.br/ics/dan/Serie178empdf.pdf>, acesso em 30/10/2006.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

A MORDAÇA QUE PRENDE ANDA À SOLTA

A MORDAÇA QUE PRENDE ANDA À SOLTA

Segunda-feira, 6 de outubro de 2008. À página 33 do jornal à direita O Globo, estende-se a reportagem publicada no dia anterior pelo jornal à esquerda A Folha de São Paulo, sobre a demissão do brilhante professor e poeta Oswaldo Martins Teixeira, da Escola Parque demitido em 11 de setembro, data que parece querer configurar-se no calendário como um dia destinado ao terror, desde que os “osamitas” americanizados e pela inteligência norte-americana treinados investiram contra as Torres Gêmeas em Nova Yorque.

Demitir e admitir profissionais, em todas as áreas de serviços e conhecimentos, incluindo o magistério, é uma prática diária, dadas as necessidades, vontades e adequações dos empregadores e empregados, no intuito de busca de melhor produtividade, maior competitividade e melhoria da qualidade dos serviços prestados à população e, especificamente, os clientes. Não, não se pode questionar o processo demissionário de nenhuma empresa privada que tenha a honradez de pautar no princípio da ética e da conduta de seus funcionários, seu desempenho e competência, adequação à missão da empresa etc., e não por intrigas de colegas interessados em funções desempenhadas pelos demitidos, ou mera repressão por uma maneira de crer, de votar ou de expressar suas opiniões pessoais, sejam elas relativas à política, ao cotidiano, ao sexo ou à religiosidade.

Causa estranheza, no caso publicado pelos jornais, o motivo da demissão do professor: ser autor de poemas eróticos. Em nenhum momento se questiona a competência do professor, seu trabalho sério e comprometido, mas a atenção hipócrita de uma sociedade de fachada, pseudo-moralista, a uma particularidade da vida artística e intelectual do “réu”, em seus momentos privados, desvinculados da ação no magistério e da escola.

Começa-se pela censura imposta aos livros indicados pelo professor (“A Jogadora de Go” da autora chinesa Shan Sa e “Crônica de uma Morte Anunciada” clássico de Gabriel Garcia Márquez) até o processo que culmina da demissão, provocada a partir do momento em que alguns alunos descobriram poemas eróticos seus na Internet e divulgaram entre eles.

O Globo, numa reportagem aparentemente imparcial, ouve dentre muitos intelectuais, Antonio Carlos Secchin, imortal e professor titular de literatura da UFRJ, que declara que “qualquer medida que privilegia o obscurantismo deve ser repudiada. O livre-arbítrio e o acesso à informação são básicos para a cidadania”. O ex-aluno do professor, ex- Engenheiros do Hawaí e atualmente produtor Bernardo Fonseca faz coro com Secchin e declara: “Isto é censura a um artista. Ele foi um dos melhores professores que eu já tive. Ele não pode trabalhar porque não pode se expressar? Isso é ditadura”.

Pois é assim que também nós, ainda longe do patamar intelectual e militante das personalidades que têm se manifestado a favor do professor, entendemos: ditadura. Censura. Mordaça. Se essa moda pega, começa-se com a desculpa de impropriedade de temas como sexo e acabará por atingir às posturas filosóficas, às crenças religiosas e ao pensamento político. Se amordaçam-nos fora do exercício do magistério, em breve o farão dentro de nossos espaços de discussão (com Teixeira, tentaram fazer os dois) e as aulas robotizadas, reprodutoras de ideologias pregadas pelos sistemas de ensino que querem encampar a educação como uma fonte de lucro e não um bem público, esse tipo de aula, defendida pela revista Veja (edição de 20 de agosto de 2008, crítica a Paulo Freire) tomará conta dos espaços escolares e acabar-se-á por definir como perfil ideal do professor aquele que acena positivamente aos apelos do capitalismo selvagem, da falsa moral dos que alugam prostitutas e travestis e depois não querem pagá-los ou os espancam e não aquele que ensina com compromisso pela qualidade da educação, assumindo seu lado artista, político, filosófico, sexual etc., não deixando que um interfira no outro.

Querem nos amordaçar. As mordaças já estão nas mãos dos carrascos e a ordem já foi dada. Orquestram-se ações para construir uma escola finlandesa, nas realidades do subdesenvolvimento, da pobreza, da miséria e da cultura diversificada e pluralista que em nada se assemelha aos países europeus ricos e exploradores dos pobres. Demissões como esta, não compreendida por pais e alunos que respeitam a liberdade de expressão e separam o cidadão do profissional, têm que ser combatidas, não pelo processo de demissão em si, mas pelos motivos que ousam querer justificar tais atitudes.

Faz-se necessário que os “corporativos” profissionais da educação se unam. Não para acampar-se em frente às mantenedoras de ensino, pois é possível estabelecer uma relação de diálogo, de produtividade e de qualidade do ensino, numa relação respeitosa entre empregado e empregador, mas para repudiar ações que invadam a vida privada dos profissionais que querem mostrar a sua arte.
10-10-2008

domingo, 5 de outubro de 2008

ATÉ ONDE IREMOS?

ATÉ ONDE IREMOS?
Publicado originalmente no Jornal da FERP, 2003

MC Serginho. É esse o nome de um certo rapaz que junto com o parceiro Lacraia, tem levado multidões a repetirem uma “onomatopéia” que fascina as crianças, balança os jovens e empolga os adultos... Pelo menos alguns deles, que conseguem ver na tal “EGÜINHA POCOTÓ” alguma silhueta de música.

Prestigiada pela mídia, ocupando espaço nas tardes de domingo na TV, tocada nos rádios e nos bailes funks, a tal egüinha pocotó vem ultrajando os ouvidos de um gosto musical e levando abaixo do limite da tolerância a paciência de quem se preocupa com a qualidade na produção artística e cultural de seu povo.

Bem sabemos que essa moda pode ser passageira, que em breve pouquíssimas pessoas lembrarão de tal “música”. Então, por que se preocupar com esse evento? É simples: a discussão de tema como a produção musical de um país não pode ficar longe dos bancos escolares, principalmente no nível superior. E também pela análise da perda sucessiva de qualidade que vem grassando em nosso país. “Um tapinha não dói”, “As cachorras” e o horripilante “vai, Serginho” (do mesmo autor?), são provas preliminares que a mídia tem lançado a segundo plano as reflexões romÂnticas, políticas, poéticas, musicais e outras, de nomes como Chico Buarque, Belchior, Paulinho Moska, Caetano, Gilberto Gil, Arnaldo Antunes, Herbert Viana e outros que merecem ser ouvidos, analisados e imortalizados com o nome de artistas.

Uma outra questão demandada pelo galopante impacto da “egüinha pocotó” recai sobre a prática de sua execução em ambientes escolares, ônibus e vans que levam os miúdos às aulas e mesmo entre os professores. É no mínimo alarmante ver um professor incentivar crianças a construções desprovidas de letra, música, poesia, harmonia, sentido, conhecimento, coerência e tantas outras características que desempenham importante papel na formação de instrumentos artísticos, tão importantes colaboradores no processo ensino-aprendizagem.

Uma coisa é a agitação dos bailes funks, a venda de produtos de última categoria pela mídia, outra é a aprovação do sistema escolar a tais produções. Urge, portanto, que o meio acadêmico reconstrua sua visão sobre o que nossas crianças e adolescentes têm visto, e passe a participar de uma forma mais crítica e menos tolerante com as manifestações distorcidas da arte popular. Distorcidas, a partir do momento em que as raízes de qualquer manifestação genuinamente artística são invadidas e transformadas por interesses da exploração de sensualidade, da banalização e do hedonismo irresponsável. Se os cursos de licenciatura deixarem de continuar insistindo na importância de uma formação com melhores níveis para seus alunos, estes, futuros professores, poderão continuar reproduzindo com nossos pequenos a ideologia do sem-sentido, da vulgaridade, da exposição sexual e erótica das canções que vendem, fazem dançar, mas não podem dizer absolutamente nada.

E o pior é que essa mediocridade que, em seu conjunto, insistem em classificar as mulheres como cadelas e éguas, decidem, com o corpo, o que é que a população deve ouvir, comprar e reproduzir. Estamos bem perto do fundo do poço, se é que esse poço apresenta algum fundo.

Mas resta uma expectativa. Uma aluna do Ensino Médio colocou em um de meus trabalhos uma frase, sem citar o autor: “A única vantagem de se estar no fundo do poço, é que não se tem mais como descer. È imperativo subir”. É hora de subir, de chamar os jovens estudantes à reflexão e à mudança. É hora de ser capaz de mostrar que isto não é a cara do Brasil, não tem legitimidade de representação artística. Somos responsáveis por abrir a discussão. E que nos contestem os que tiverem argumentos.

sábado, 4 de outubro de 2008

TEMAS PARA FILOSOFAR [1] SONHOS

TEMAS PARA FILOSOFAR [1] SONHOS
(Publicado originalmente do Jornal da FERP - 2003)

Paulo Freire, simples, morto e imortal, afirmou que a manutenção do sonho seria capaz de chamar ao real os longínquos ideais de nossos pensamentos.
Sonhar, algo tão peculiar à espécie humana, pode não parecer a priori, assunto de interesse acadêmico, sendo encarado muitas vezes como algo místico ou esotérico. Entretanto, além das visões noturnas que embalam os sonos dos humanos, a palavra sonhar também encabeça uma outra perspectiva: PROJETAR.
É do sonho humano que nascem suas maiores construções, suas obras mais destacáveis e suas mil maravilhas. É do sonho que nascem os projetos que objetivam transformar a realidade. É dos sonhos que partem a realização da arquitetura, das artes, das letras, das ciências em geral.
A esta altura, já estaríamos perguntando “por que filosofar sobre o sonho” ou “por que é tema para filosofar”.
Gostaria de chamar a atenção do leitor para uma característica marcante do filosofo: a sua responsabilidade de investigar, debater e refletir sobre a verdade, apontando para o homem visões de caminhos que possam conduzir à felicidade, uma busca tão antiga quanto a própria Filosofia.
Aristóteles, Sócrates, Platão, Santo Agostinho, Hegel, Sartre, Rousseau, Marx, Gramsci, Foucault e até Nietzchie, o polêmico filósofo que afirmou a morte de Deus, deixam, explícita ou implicitamente em suas obras, aspectos relevantes que exprimem uma conotação clássica: O homem sonha ser feliz.
Não fossem os filósofos sonhadores, não seriam também filósofos. É certo que as coerências dos sonhos também ajudam a realizar projetos. Mas a ausência deles nos afasta das conquistas.
Ao ingressar em um Curso Universitário, o jovem não o faz apenas pela exigência do mercado, influência familiar ou busca de “status” e ascensão social. É também por sonhos e as lágrimas vertidas em seu percurso, comparadas e complementadas com as do momento em que faz viajar ao céu seu capelo, mostram no espelho do tempo que o sonho se realizou. Logo, realidade é nada mais que o cumprimento de algo idealizado no plano dos sonhos.
Dizíamos que sonhar pode assumir a conotação de projetar. Diremos também que filosofar pode englobar o conceito de antever, ou criar hipóteses explicativas para objetos variados de estudo. Assimilaremos assim uma junção de projetar e antever, na expectativa de igualar a compreensão da defesa eufórica da necessidade de sonho.

Em todas as épocas, mas de forma proeminente nos dias atuais, os educadores destacam a importância de se planejar, ou seja de se prever antecipadamente o que se pretende realizar. Acontece que muitos se esquecem da primeira e fundamental etapa de um plano ou de um projeto: o sonho. Antes de buscar os recursos, traçar estratégias, desenvolver cronogramas, justificar ou estabelecer objetivos e metas, nossos projetos devem ser sucessos em nossos sonhos.

Não gostaria que isso fosse encarado como uma técnica de auto-ajuda, pois os livros de auto-ajuda, em uma expressiva percentagem, nada mais fazem que evidenciar o óbvio. Os sonhos não, eles ultrapassam o óbvio porque existem em primeiro lugar no campo de ação da Filosofia: o pensamento. E a Filosofia não é óbvia, ela é completa, contundente e tem suas leis... Leis e sonhos. A Poética de Aristóteles, a Apologia de Platão, o Socialismo de Marx, invadem o amante da Filosofia (sem redundância) através dos sonhos que ali se propagam e que, aos poucos, vão construindo uma estrada permeada de teorias prováveis e que chegam a enfeitar um caminho de percurso mais suave.

Sonhar é filosofar. E vice-versa. Se você acha que não filosofa, mas tem o dom de sonhar, saiba que existe em você um filósofo em potencial. E suas potencialidades devem ser aprovadas por você mesmo, a priori, e refletir-se no espaço dos outros, em sua comunidade e sociedade. Dos seus sonhos, nascerão seus projetos. De seus projetos, nascerão realizações. De suas realizações, transformações. E essas transformações hão de trazer novos sonhos para que o ciclo não se interrompa. Sonhe. Filosofe. Viva.

PESQUISAR PARA APRENDER

ORIGINALMENTE PUBLICADO NO JORNAL DA FERP - 2002.


PESQUISAR PARA APRENDER
Cleber Vicente Gonçalves

Muito embora as escolas, em seu nível mais avançado, venha a constatar, na atualidade, que a maioria de seus alunos apresenta imensa dificuldade para aprender, tal constatação pode representar ou um grande equívoco na aplicação do método de ensino / aprendizagem, ou um outro equívoco, a conceituação desta dificuldade face às questões antropológicas, ou ainda a concretização de uma ruptura empreendida em nossa sociedade atual, por parte da escola, da longa caminhada da espécie humana pelo planeta.
Na primeira opção, levanta-se uma questão pedagógica ampla (cujo objetivo difere da finalidade do presente artigo), onde se espera que a dinâmica ensino / aprendizagem possa ser ressignificada , aplicada ao desenvolvimento e à tecnologia, mas possa atender aos anseios do saber da comunidade onde se insere, desde a mais tenra idade até o mais alto nível de escolaridade. Há de se pensar aqui também o despertar para a vontade de aprender. Muito embora esse anseio seja comum à humanidade. É preciso diagnosticar quem o está minimizando ou montando-o aos poucos.
Explicar esse anseio de aprender necessita de uma conjunção teórica entre a psicologia e a antropologia. Neste ponto, nos distanciamos das questões pedagógicas para explanar o segundo equívoco: o conceito de “dificuldade de aprender”, mirando o homem enquanto espécie e analisando seu percurso, evolução e desenvolvimento na Terra.
Ao observamos as conquistas da humanidade, desde a indústria
[1] da pedra lascada até os mais altos descobrimentos da robótica, deparamo-nos com um processo evolutivo que jamais qualquer outra espécie alcançou ou tem perspectivas de alcançar. Um olhar da Antropologia nos levaria a designar o homem como um ser que produz saberes e tecnologia e os transmite às gerações posteriores. Entretanto, tais gerações, uma vez tendo se apropriado dos benefícios recebidos, não permanecem em seus fundamentos apenas, mas avançam nestes conhecimentos, ampliando-os e aperfeiçoando-os.

Assim sendo, a humanidade provou, ao longo dos séculos, que é extremamente capaz de aprender. Aprende por transmissão, é inegável, mas demonstrou aprender muito mais por descobertas. Quando eram só ela e o mundo, aprendeu a modificá-lo, a transformá-lo, de maneira tão ímpar, que seria desafiador para nós, os que hoje nos intitulamos “Mestres” e “Doutores” do conhecimento, inventar algo como a roda ou aprender a dominar o fogo.
É lógico que o homem não teve, durante toda a sua história, principalmente em seus primórdios, escolas e mestres. Mas ele aprendeu. Aprendeu (e também descobriu e inventou) básica e essencialmente pela observação e posterior pesquisa. Foram estes os caminhos que impulsionaram o saber do homem, em remotas e distantes civilizações e tem sido ainda hoje a manifestação diária do avanço no conhecimento.
Hoje, mais do que nunca, é tempo de aprender. Neste ponto, retornamos ao ponto de partida, em seu terceiro item: ruptura na escola. A escola que não encaminha seus alunos para a pesquisa, certamente estabelece uma ruptura na consciência de aprendizado de ser humano. O homem aprendeu (e aprende) pela observação e pela pesquisa. Os avanços, desde o barco à vela até a cirurgia a laser teleguiada só se impuseram pela pesquisa. Se a pesquisa não for levada a sério, não há aprendizagem eficiente.

A pesquisa vem, assim, corroborar a expectativa de aprendizagem. Vem oportunizar o aprofundamento do saber. Vem viabilizar novas e importantes descobertas. Em suma, é imprescindível! Abrir mão da pesquisa como recurso metodológico no caminho da aprendizagem é romper com a natureza humana. É andar na contra-mão do saber.

Se a escola investir mais neste caminho do saber, dedicar tempo à pesquisa, ao incentivo e ao aprendizado de sua sistematização, provavelmente determinará uma sentença diferente da “tem dificuldade de aprender”, pois estará caminhando no mesmo sentido da natureza humana. E os anos têm nos provado que é complexo, difícil e pouco proveitoso lutar contra a natureza.

[1] Entendendo indústria como qualquer transformação de matéria-prima em algo útil para benefício humano ou a natureza.

TEMAS PARA FILOSOFAR (3) LIBERDADE

TEMAS PARA FILOSOFAR é um conjunto de temas publicados originalmente do Jornal da
FERP em 2003. Assim que localizar os arquivos dos outros dois temas, amor e sonho, publico aqui.


TEMAS PARA FILOSOFAR (3): LIBERDADE

Liberdade, Liberdade, Abre as asas sobre nós...”

Dentre os grandes temas que compõem a Filosofia, talvez o mais incompreensível e o mais desejado seja a liberdade. “Algo que a alma humana alimenta, não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”, segundo Cecília Meireles, o homem promoveu guerras em nome da paz e efetuou prisões em nome da liberdade. E confundiu o seu sentido bem mais que explicou, impondo-se a si mesmo grilhões que, segundo sua concepção social, permitem que o mundo seja livre.
Amo a liberdade, por isso deixo livre tudo que tenho. Se elas voltarem, é porque as conquistei. Se elas não voltarem, é porque nunca as tive.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), em seu contrato social, fala da liberdade como algo natural, inerente ao ser humano, entretanto delimitada pela lei socialmente imposta. Os ideais de liberdade de Rousseau foram tão fortes na França que inspiraram a segunda fase da Revolução Francesa, sendo as coordenadas teóricas dos setores mais radicais desta Revolução.

Todavia, o mesmo Rousseau preocupava-se com os limites dessa liberdade, uma vez que declarava que o homem, apesar de nascer livre, “em todos os lugares ele estava acorrentado”. Talvez o sentido maior dessa expressão se devesse não ao fato dos limites impostos pelas leis criadas pelos próprios homens, mas às responsabilidades advindas destas leis, que coordenavam a vida em um “contrato social”, para que se exercesse direitos e deveres comuns, a fim de levar toda uma sociedade a viver em harmonia.

O pensamento de Rousseau, sendo-nos favorável ou contrário, entretanto, não é a tônica de nosso tema, bem como não o é o pensamento de Locke, Kant, ou qualquer outro, mas a associação da liberdade com a preocupação dos filósofos e com a intensa necessidade de trazer o tema para o palco do mundo contemporâneo, em que nos sentimos muitas vezes mais tempo acorrentados que livres.

Vejamos um prático exemplo da liberdade versus a violência reinante. Ao entrarmos em nosso momento de repouso de homem livre, recolhemo-nos ao nosso lar, que geralmente possui um portão gradeado, cadeados, travas de segurança, alarmes, interfones etc., enquanto a sociedade do crime organizado age nas ruas e nas calçadas, sobre a égide da “liberdade sistêmica”, estando nós, cidadãos produtivos numa sociedade livre, acorrentados dentro de nossas casas, muitas vezes temerosos em realizar programações noturnas ou especiais, vítimas do temor imposto pela elevada e crescente onda de violência que atinge o espaço urbano, principalmente, as grandes cidades.

Vejamos um outro exemplo do discurso liberdade, é a garantia que todos têm de “ir e vir”. Acontece que a locomoção de um lado para o outro, o ingresso em determinados ambientes, a presença de um cidadão em determinados lugares estão condicionados à sua posição social, ao seu nível sócio-cultural ou, em alguns casos mais alarmantes (mas não menos comuns), ao dinheiro que possui para fazer valer a sua liberdade. Não é livre para visitar um museu, ou ver uma peça teatral, quem não tenha recursos financeiros para a locomoção ou ingresso em tais espaços, ou mesmo quem não se guarneceu de pré-requisitos para entender e admirar tais eventos.

Em nossa concepção de Constituição, acreditamos que todos têm direito à liberdade e que essa liberdade é igualitária, mas há crimes e criminosos que jamais têm sua liberdade cerceada, enquanto há enganos que privam cidadãos, geralmente pobres, de seu dom mais precioso.

É um tanto natural que nosso discurso possa parecer um pouco mais político que filosófico, mas como desvincular um tema tão inerente aos princípios da vida social de seu contexto, ou de sua face política? Não é assim que se faz, também filosofia? Não é a liberdade o centro do estudo político de Hannah Arendt? Não é a liberdade o sonho dos que se embrenham na dura floresta do saber social, a fim de oferecer melhores condições de vida?
Encerrando essa série, preocupo com a liberdade. Iniciamos com o sonho e falamos sobre o amor, mas sem liberdade, não há como sonhar e sem sonhar, o amor perde parte de seu sentido. A liberdade completa os outros temas e nos traz de encontro a mais uma aspiração profunda da mente humana: ser livre. E como acreditamos nos sonhos, no amor, na poesia e na Filosofia, encerramos com Vinícius de Morais: “O destino dos homens é a liberdade”.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

PENSADORES DA MADRUGADA


Quando o silêncio mais que noturno ultrapassa os limites do ponteiro do relógio na expectativa que o dia seguinte seja mais belo e menos injusto, passamos a descobrr que, assim como nós, centenas de pessoas pensam uma maneira de fazer desse mundo um lugar melhor.

Tenho me incluído nesse grupo. Por vez ou outra debatendo as questões com alguns pares pela internet, outras vezes na solidão de todos os amigos offline, reflito sobre a ordem estabelecida e sobre as muitas tentativas da perpetuação do poder dominante e opressor na qualidade de hegemônico e incontestável.

E diante dos pensamentos da injustiça econômica, social, política, reflito, assim como muitos outros pensadores, noque fazer para minimizar os sofrimentos e buscar um caminho que pudesse dar a todos uma vida digna, com equidade, respeito e cidadania plena. E não consigo achar outro caminho que não seja a educação.

Mas não a educação formalizada e institucionalizada, que aparece para cumprir o seu papel, lacaia das FIESPs, dos FMIs, dos BIRDs e dos ETCs., onde o que importa é o papel que o educando vai desempenhar no mercado de trabalho, ou seja, que peça da engrenagem ele vai substituir e por quanto tempo vai ser aquela peça, até quando será também substituído por outra melhor, mais qualificada, ou simplesmente mais barata.

Penso na educação como um caminho único, mas a educação privilegiada dos que leem Dewey, Freire, Gadotti, Toro, Perrenoud, Certeau, Foucault, Harendt e outros pensadores que, certamente, viravam a madrugada para encontrar uma resposta às indagações que lhes incomodavam, antes de trazerem reconhecimento mundial.

Reconhecimento esse que, muitas vezes tem sido negado à Educação onde ela se faz mais necessária, querendo nos fazer educandos finlandeses em um país tropical, desejosos estão que não nos formemos plenamente, mas que sejamos máquinas de aprender o nosso papel na grande torre de babel que virou a sociedade.

E assim, vamos construindo mais uma madrugada. Com outros intelectuais, separadamente, unidos apenas pelos fusos horários desencontrados, ou por outros com quem se debate mais de perto. Mas temos uma missão. É a de fazer da calada da madrugada um espaço de discussão para os bons resistirem. Porque é na calada da madrugada que os maus arquitetam sua manutenção no poder.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

A ARMA DOS INVEJOSOS


Mentir, trair, pisar, machucar, expor. Verbos fortes, que evitamos usar, mas que são uma constante no dicionário limitado dos incompetentes que não conseguem outras maneiras de verem o sucesso à porta sem que ele fuja da presença do vizinho.

Mas cada um luta com a arma que tem. Os competentes, com a sabedoria, com a paciência, com o bom senso, com a agradabilidade e com amor. Os invejosos, com a mentira, com a agressão, com a incoerência e com a palavra dura e forte...

As armas dos invejosos têm grosso calibre. São pesadas.Ultrajantes. Mas têm pouca munição. A paciência e a sabedoria vencerão. Um dia, mesmo que muitas batalhas tenham sido ganhas por quem não as merecia. O mérito nem sempre é reconhecido. Mas reconhecimento demais pode indicar pouco mérito. E atrair mais invejas...

segunda-feira, 25 de agosto de 2008


" O GIGANTE OLHA A PEDRA E VÊ PÓ"


Com que olhos olhamos as nossas dificuldades? Onde está a nossa visão diante dos obstáculos? De que tamanho enxergamos as pedras do nosso caminho?

Impossível viver nesta terra sem encontrar muitas lutas. Entretanto, a nossa atitude diante delas é que determina como elas vão ser derrotadas ou derrotarem-nos, em cada etapa de nossa vida. Diante dos obstáculos, muitos são os que se minimizam e o seu problema toma uma dimensão tão grande, que ninguém conseguirá fazê-los ver outras soluções.

Mas há também os que têm espírito de gigante. E, assim como o escultor vê num bloco de pedra, numa rocha inteira, um cavalo, uma pessoa, uma paisagem ainda não concebida, os gigantes vêem se aniquilar todas as pedras que se lhes opõem, de forma a esmagá-las com sua força imensurável.

Gigante não tem medo de obstáculos. Não porque eles não existam. Mas porque o seu olhar reduz a pó o que seria a pedra do caminho.