segunda-feira, 13 de outubro de 2008

GÊNEROS: IGUALDADE, DIFERENÇA E REFERÊNCIAS

Sei que é um pouco grande... Mas será que não vale à pena ler?

Artigo Selecionado para o Prêmio Igualdade de Gênero - 2007.


GÊNEROS: IGUALDADE, DIFERENÇA E REFERÊNCIAS


RESUMO
O presente trabalho apresenta uma discussão sucinta e bibliográfica sobre o tema Igualdade de Gênero e pretende ampliar espaço para o fomento de discussões que vêm tomando corpo no meio acadêmico e científico, buscando analisar a temática com foco na discriminação da mulher dentro de uma sociedade machista e conservadora. Aborda uma discussão sobre igualdade, diferenças, história e educação, traçando um contexto cultural na perspectiva brasileira dos estudos de gênero.

INTRODUÇÃO
Os anos iniciais de um século costumam confundir sua história com os anos finais de seu precedente. Em um conjunto macro da História o gênero aponta para um foco de grande relevância de pesquisa, ao mesmo tempo em que o debate em torno da temática se expande e ganha novas defesas.
Louro (2001)
[1], aponta para um período de dois séculos na temática de estudos: “Nos dois últimos séculos, a sexualidade tornou-se objeto privilegiado do olhar de cientistas, religiosos, psiquiatras, antropólogos, educadores, passando a se constituir, efetivamente, numa 'questão'”. Entretanto, a sexualidade por ela apontada no período dos últimos duzentos anos não concentra especificamente a questão de gênero como a tônica da questão. O discurso sobre sexo e sexualidade, perpassando a linha foucaultiana da visão de prazer de saber, abre caminho para uma concentração de estudo sobre gênero no sentido de sua igualdade e a relevância não só da temática, mas da prática em torno desta.
Em uma abordagem menos exclusivista e menos machista, não se torna fácil buscar referencial de igualdade com a mesma amplitude que os escritos que subjugam as minorias sexuais. A construção de uma identidade patriarcal ao longo da História humana no planeta arraiga-se nas mentes, fortalecendo os preconceitos e, em situações desconfortáveis para a ciência, criando espaços para tripúdio, que em alguns momentos ultrapassa esse limite até à exclusão, nas conversas cotidianas, nos espaços populares, na mídia e em focos de formação de opinião, o que amplia a vantagem da discriminação e preconceito sobre a luta da ciência e da educação para reverter o quadro e tornar eficiente uma nova visão de igualdade, não apenas a garantida em legislação, mas a internalizada culturalmente e que ganhe um espaço natural em uma reescrita da história, reconstruída a partir de ações que possam ressignificar as relações de gênero e igualdade na convivência de um povo.
Ao discorrer sobre gênero e sua igualdade, as vertentes que poderiam se apresentar passam pela questão da sexualidade e suas escolhas, sejam elas consideradas como opção, orientação ou biológicas. Torna-se necessário definir que concentraremos a temática na questão da mulher e suas relações na sociedade, não abrindo, neste artigo, questões em torno na homossexualidade e as possibilidades de estudo de um gênero diferenciado a ser estudado, tanto social como cientificamente. A crescente aceitação e espaço na mídia ao homossexualismo já funcionam como uma variedade de estudo de gênero que, embora importe ao conjunto de investigações sociais e científicas, não será abrangido neste estudo, que contemplará o gênero feminino em sua proeminência e relevância.
Sugere-nos a sociedade que em todos os seus setores ainda resta uma carga de preconceito contra a mulher. Suárez et.al. (1995)
[2], em artigo sobre o crime sexual, aponta nas respostas a sua pesquisa que, “em geral, quem realiza o crime sexual é o homem vestido na sua cultura de macho, se acha com direitos sobre a mulher ... Pelo entendimento do homem ser superior à mulher, ter uma ascensão sobre a mulher, direitos sobre a mulher, e a mulher não tem querer.” Esta visão, enraizada no seio de uma cultura machista, leva as autoras a apontarem a discriminação contra a mulher como uma “questão cultural. Problema de socialização das pessoas”, o que cria maior dificuldade de combater e reverter o fato.
A violência de gênero, ou seja, aquela que é gratuita pelo fato de ser mulher, independente de sua formação social, racial, econômica e outras, leva o Congresso Nacional a criar uma lei
[3] visando garantir direitos que deveriam ser natos, culturais e sociais, como algo natural da convivência entre seres de uma mesma espécie, em uma estrutura social organizada como “civilizada”, sem necessidade de comentários sobre o sentido da expressão.
A Lei, que cria mecanismos para punir com maior rigor a violência doméstica e contra a mulher, denota que a população brasileira encontra-se em um patamar social e cultural questionável, onde as regras consuetudinárias são pouco cordiais e altamente discriminatórias e, assim como no caso do racismo, que exigiu a criação de lei estabelecendo como crime inafiançável, a Lei Maria da Penha busca exprimir a necessidade de não discriminar alguém que é igual a todos, ou seja, reconhece a sociedade como machista e para que a mulher refute esta condição, deverá basear-se nos artigos da lei. Parece exprimir a mesma redundância que o inciso 42 do artigo 5º da Constituição Federal, uma vez que, sendo um povo mestiço, apresentamos um racismo visível. E, sendo homens e mulheres componentes da mesma sociedade e formadores e perpetuadores da espécie, pelo menos até este momento histórico, por que não respeitar, naturalmente, um ao outro, de maneira a ter no fato e não apenas no direito, a garantia de igualdade?

HOMENS E MULHERES – DIFERENÇAS OU REFERÊNCIAS?
As nuances que permeiam as relações homem-mulher são muito variadas e, ao mesmo tempo, muito tênues. As discriminações contra a mulher se revelam no cotidiano das pessoas e até mesmo entre o próprio gênero, não por baixa auto-estima ou comportamento similar, mas pela inserção na sociedade patriarcal machista que gera seus estereótipos e eleva a carga de preconceito e dissabores em relação ao feminino.
Assim, não é pouco comum encontrarmos o pré-conceito na fala de parcela significativa da sociedade urbana, mesmo entre as mulheres, de que “mulher no volante, perigo constante”, “mulher fala o tempo todo”, “mulher é mais consumista”, “tinha que ser mulher”, entre outras expressões que, certamente partem de ambos os sexos, reforçando um ideário no qual se inserem características não verdadeiras nem fundamentadas que tais atitudes estão ligadas ao gênero e não a pessoas, por serem meramente comportamentais ou, em alguns casos, de habilidades, que geralmente se aprendem ou se desenvolvem ou não, mas não se aplicam suas aprendizagens e desenvolvimento ao gênero.
As diferenças anatômicas entre macho e fêmea, onde se encontram, e em nossa espécie elas são notórias, não têm que estabelecer as diferenças comportamentais, sociais e nem devem determinar as competências que cada um segmento da espécie deva apresentar. Não é incomum encontrar falas a respeito de mulheres que se destacam na sociedade como sendo uma surpresa ou um grande diferencial, com expressões caricaturadas do tipo “apesar de ser mulher...”, o que denota o sentimento expresso tanto entre homens quanto entre mulheres que habitam uma cultura mergulhada em uma carga de preconceitos tão elevada, que as atitudes e estudos em prol da mudança precisam se intensificar numa proporção maior que as divulgações e naturais esforços na perpetuação dos milenares comentários e estabelecimento de status masculino e feminino.
Mulheres e homens, sendo diferentes anatomicamente, apresentam também funções biológicas diferenciadas, assim como papel diverso em relação à espécie e sua sobrevivência. A força braçal do sexo masculino em uma proporção diferenciada da mulher, acabou por sinalizar, erroneamente, certos “direitos” de supremacia. Por sua vez, nesta mesma relação e dentro da visão semelhante, educava-se (educa-se?) a mulher visando um apelo a sua sensibilidade, ao seu vigor amoroso, à sua ternura. É um imaginário desenhado cuidadosamente na mente humana, de machos e fêmeas, reforçado pela mídia, pela sociedade, pela política (a maioria dos parlamentares são homens) e até mesmo pelo enlace religioso. Uma canção cantada pelos católicos e por muitos outros cristãos do Brasil, a “Oração pela Família”, traz em sua letra alguns trechos de ideologia linear, deixando o entendimento do povo no limiar da segregação, pelo seu estabelecimento de funções.
[4]
Diferenças anatômicas, funcionais ou dentro da “missão” de perpetuação da espécie não implicam em superioridade ou inferioridade. O momento histórico em que os testes de Q.I. não mais são o parâmetro da inteligência (se bem que nunca o foram como provas de inteligência superior ou inferior quanto ao gênero), e com um constante galgar degraus por parte das mulheres, é especificamente o momento da oportunidade.
Esclarecemos que não nos referimos apenas à oportunidade de empregos, postos ou destaques, estas são e serão conseqüências de outro tipo de oportunidade, a saber, a possibilidade de compreensão sobre a igualdade entre os gêneros. É importante a projeção da mulher numa ação afirmativa que amplie as possibilidades de aceitação e naturalidade por parte da sociedade, numa reivindicação justa de igualdade. Não pode se tratar de uma guerra, pois desse modo a igualdade também teria seu direito ferido. Trata-se da organização social criar ou transparecer um número maior de referenciais femininos como algo natural ao espaço do mundo.
Quando se verifica na mídia que os anúncios mais caros e com maiores apelos visuais destinam-se ao público masculino, expondo, em inúmeros momentos, a mulher como um objeto que gera o desejo do consumo, como em propagandas de cervejas, exemplo clássico desta fala, reforça-se o critério social de atingir mais profundamente o homem, seja por ser um consumidor com mais dinheiro ou, por que não pensar nisto, alguém que merece ser mais lisonjeado pela mídia, com anúncios à altura de sua posição social de cabeça da casa.
Com um olhar descomprometido, encontraremos nomes de centenas de mulheres construíram lugar de referência na sociedade atual, mas nem todas foram destacadas pela mídia como exemplo a ser seguido e tiveram seu pódio aclamado com ecos de louvor espontâneo. A própria terminologia usada para se falar de “grandes homens” é mais comum, uma vez que eles são os heróis da história e as figuras abençoadas de mulheres de destaques são minorias que não proporcionam razões suficientes para figurarem nos anais dos grandes feitos.
É preciso referenciar o mundo como masculino e feminino
[5] como aberto a iguais possibilidades de ascensão, provimentos, controle, liderança, expertise e, acima de tudo, respeito pelo espaço do outro, mesmo que este seja de um gênero diferente. Ao criarmos referências em um momento presente, plantamos sementes férteis para um futuro não muito distante, uma vez que acreditamos bastar uma ou duas gerações para desencadear novos comportamentos e disseminar costumes que incidirão diretamente em mudanças de posturas e reorganização cultural.

MÍDIA CONTRA E A FAVOR: ESFORÇOS E HISTÓRIA PARA MUDAR POSTURAS
Redundante será retomar a posição da mídia diante dos conflitos de gênero, mas também não se pode negar a contribuição histórica ao notarmos abordagens que indicam luta de mulheres, valores sociais presentes e tipicamente masculinos assumidos por mulheres, narrados em histórias reais, com bases reais, ou mesmo em uma ficção possível, trazendo temas à reflexão e a discussões que são oportunizadas a partir de obras cinematográficas, novelas e outras séries televisivas.
Nesta perspectiva, gostaríamos de destacar duas análises positivas do cinema, embora não tenham sido recordes de bilheterias. O primeiro, “Em Nome de Deus”
[6], com o título original “The Magdalene Sisters”, narra a história de jovens que permaneciam em um convento da Irlanda, em regime fechado, trabalhando como escravas, por terem praticado determinados “delitos” na sociedade católica machista na década de 1960. Os delitos pareciam resumir-se a atos sexuais ilícitos, gravidez antes do casamento ou simplesmente olhar mais atentamente para um homem.
Embora a narrativa não mencione, deduz-se facilmente que aos autores do “delito” pertencentes ao sexo masculino nada acontecia, ao passo que às mulheres era destinado castigo cruel, praticamente para o resto de suas vidas. A infração era punida unilateralmente, pois só o sexo feminino envergonhava a família e a expunha como opróbrio perante a sociedade. Violência, abuso de poder, sexual e econômico permeiam toda a trama, onde a mulher sofria humilhação, exposição pública, castigos inimagináveis e privação de vida social. E não era por escolha própria, como resignação ou vocação. Era penitência pelo “pecado” .
O trabalho nas lavanderias dos conventos era algo cruel, mas quem pensa que se distancia de nossa era, cumpre-nos informar que tais atividades só foram suspensas na Irlanda, país membro do Reino Unido, cristão, desenvolvido e alfabetizado, em 1996, oito anos após a publicação de nossa Constituição atual e no mesmo ano da publicação de nossa LDB, legislações que procuram colocar em igualdade a criança e adolescente, independente do gênero, origem, raça, credo ou outro fator de identidade do ser humano. A falsa moralidade mantida pela cumplicidade entre igreja e família, em um dogmatismo intolerável para dias tão recentes, pressupõe também uma apologia ao machismo e uma fragilização do feminino, com sua exposição ao mundo como parâmetro normal de punição à mulher e liberdade ao homem.
Realidade duramente retratada, a história apresenta também a persistência de quatro jovens, que ali foram parar por motivos semelhantes, ou seja contato, forçado ou não, com alguém do outro sexo, mas que não se conformaram e lutaram para romper o sistema e engajadas no afã de liberdade, assumiram riscos e conquistaram, cada uma a seu modo e em seu tempo, um destino diferente que muitas outras que morreram às mãos das freiras, confinadas no trabalho e na austera disciplina imposta pelo regulamento, duro e implacável. Questão de gênero, de luta, de vitória, de ruptura e de incentivo a novas reflexões na proposta de repensar as punições e recompensas diferentes para homens e mulheres; questão de respeito pelo ser humano, seja ele de que gênero for, de que origem venha e de justiça diante da proporção de seu crime, se é que tenha algum cometido, ou apenas agido diferente da dogmática estabelecida, via de regra, pelos ideais machistas e preconceituosos que embasam a moral da sociedade.
Em um segundo momento, numa história de ficção, não há uma evidente carga de discriminação em atuação, mas um momento de louvor a uma atitude diferenciada do personagem principal que, apesar de ser do sexo masculino, aponta caminhos além de simples cavalheirismo ou gestos de galanteios em sua convivência com o sexo oposto. O filme “Escola da Vida” (EUA, 2005)
[7], traz no personagem do professor Mr. D. uma expectativa de conscientização de toda uma classe.
Ao iniciar seu trabalho como professor de História, explana aos seus alunos que não mais usaria o termo “História” isoladamente (em inglês History), mas sim o termo Hertory e History, utilizando os pronomes her (dela) e his (dele) para estudar a disciplina que, segundo ele, não podia ser a narrativa apenas dos feitos dos seres de sexo masculino, a saber “his”, mas de toda a humanidade, que incluía, de forma efetiva e relevante, a atuação do sexo feminino, ou seja “her”.
Embora ficção, debruçar-se sobre o tema sinalizará uma ação afirmativa, onde o ensino na mais tenra idade proporcionará criação, análise e fixação de valores divergentes dos conhecidos contemporaneamente e atuantes no mundo das crises do gênero e da desigualdade proposta pelas diferenças existentes e pela ideologia dominante.

GÊNERO, HISTÓRIA E EDUCAÇÃO
Longa e árdua tem sido a trajetória de reconhecimento da igualdade de gênero no mundo contemporâneo, num esforço sobre-humano para superar barreiras e refazer a história, ressignificando-a, com um sentido mais próximo de uma verdade menos manipulada e excludente.
O modelo positivista, ao estudar as mulheres, apenas sugere o exame de semelhanças e diferenças em relação aos homens, acentuando sua posição de desigualdade e submissão ao modelo pré-estabelecido pelo mundo masculino. Embora este modelo reivindique oportunidades iguais para as mulheres àquelas dadas aos homens, mantém uma limitação e cerceamento deste direito e destas oportunidades.
Jane Soares de Almeida
[8] refere-se a estudos de omissão em relação à categoria representada pelo gênero, uma vez que “o androcentrismo que permeia as construções teóricas das ciências sempre relegou os feitos femininos a um plano praticamente inexistente”[9]. Afirma ainda que, embora as mulheres tenham sempre se integrado à história, dentro das condições concretas que existiam nas diferentes épocas, a influência do mundo masculino sombreou os aspectos educacionais vigentes, mantendo em segundo plano a ação feminina.
Rosemberg (2001)
[10], apresenta-nos um questionamento reflexível e oportuno:
Resolvi, então, apresentar, mais uma vez, um panorama sobre a situação educacional de homens e mulheres no Brasil, porque ele evidencia, a meus olhos, a confluência de descompassos entre (e intra) produção de conhecimentos acadêmicos, agenda dos movimentos feministas, especialmente internacional (incorporada nas Conferências), organizações multilaterais, governo e políticas públicas. Penso, também, que tal panorama constitui uma esfinge para teorias feministas universalistas: a dominação de gênero assume contornos equivalentes em todas as instituições sociais? Em todas as fases da vida? Significa sempre discriminação contra as mulheres?
[11]
Ao questionamento levantado, ela apresenta propostas de estudo sobre estatísticas educacionais desagregadas por sexo, indicadores educacionais referentes a homens e mulheres, e descrições e interpretações conclusivas.
Nas estatísticas educacionais, aponta como ponto positivo a criação de tabela e lançamento de dados específicos por gênero, possibilitando uma visão panorâmica do quadro de aproveitamento, evasão, repetência e outros que possam sugerir uma desigualdade de gênero e de avanços e retrocessos nesta relação.
Quanto aos indicadores educacionais referentes a homens e mulheres, analisa, a priori, que “o diferencial homem-mulher no sistema formal de ensino brasileiro não é intenso, atinge de modo diferente as diferentes idades da vida e etapas escolares, e transparece mais na progressão das trajetórias escolares do que em barreiras específicas de acesso”,
[12] ou seja, conforme vai aumentando o nível e grau de escolaridade, vai diminuindo a proporção de mulheres em relação aos homens nos bancos escolares.
Em sua análise final, um destaque a ser abordado é sua visão de segregação tanto escolar quanto no mercado de trabalho, uma vez que as funções ainda se definem claramente e os estereótipos ainda se encontram arraigados na mente e nas emoções, na história e na cultura, nos números e nas pesquisas acadêmicas do povo brasileiro.
Em relação à história e construção da sociedade, considerando o trabalho como processo histórico do ser humano, Cláudia Mazzei Nogueira
[13], traça um perfil histórico do trabalho feminino e de sua importância desde as sociedades pré-capitalistas, de forma não menos intensa e segregadora, uma vez que a remuneração e as funções específicas ainda são lutas em muitos segmentos do mercado de trabalho que ocupa a mulher.
Mesmo em considerações com análises voltadas para bases sociais progressistas, que observam o ser humano sujeito da História, o registro das ações femininas ocupam uma parcela ínfima diante dos registros masculinos. Nogueira
[14] aponta a omissão das informações sobre as mulheres que nem ao menos figuravam nos recenseamentos, exceto quando eram herdeiras, até o Século III de nossa era. O percurso até A Idade Média permanece sectarista, mesmo sendo este período de trabalho intenso da mulher, principalmente a camponesa, com dupla jornada, a doméstica e a agrícola, sem entretanto ter os registros apontados, ocasionando escassez de relatos históricos sobre a condição feminina.[15]
A industrialização ampliou a feminização do trabalho, acelerando o processo de contratação e permanência do feminino enquanto operária, mantendo, dos anos iniciais até a segunda metade do Século XX, mesmo assim, um processo de marginalização, com salários inferiores, funções de menor importância na hierarquia dos valores aceitos na sociedade, além de incluir ou manter a dupla jornada, na sobrecarga das tarefas domésticas. E os grandes sujeitos da História continuaram, via de regra, sendo os homens.
CONCLUSÃO
Defender a igualdade de gênero impõe-se como tarefa cercada de dificuldades, mesmo em teoria, uma vez que a construção do imaginário social e as raízes culturais compõem barreiras inegavelmente sólidas e perversamente alimentadas pelos sistemas sociais, econômicos, religiosos e de comunicação.
Resgatar a dívida de milênios em relação ao subjugo, à discriminação e ao preconceito é tarefa que não se cumpre em um espaço de tempo tão curto quanto uma vida de pesquisa. Uma mudança pode se estabelecer com uma educação não discriminatória em duas gerações, mas a permanência vai depender de investimentos robustos em conscientização e ações de vanguarda eficazes e eficientes.
Louro
[16] questiona a vertente feminista como uma não possibilidade do “estabelecimento de um conjunto de conceitos teórico-metodológicos assentados, estáveis, mais ou menos indiscutíveis e aceitos por todas/os”. Entretanto não permite a ausência de estudos, mesmo que em linha de investigação feminista, que “resgatam a presença feminina na História, nas Letras ou nas Ciências, bem como os estudos que denunciam (e explicam) o processo de silenciamento a que as mulheres foram submetidas nesses e em outros campos”.[17]
Defende ainda que tais estudos não devem assumir uma posição de revanche, mas de conscientização e da busca real pela igualdade e não para a supremacia ou superioridade de um gênero apenas.
Particularmente, nas considerações finais, procuramos destacar que como se apresentam hoje as relações de gênero, certamente não pode continuar. Todavia, que não haja um embate solidificado pelos sofrimentos causados no contexto histórico milenar de opressão e subserviência a que foi submetido o feminino. E que as estruturas se fortaleçam para a expectativa de real igualdade, nas oportunidades, nos acessos e nos provimentos de condução da sociedade a um caminho mais justo. Homem e mulher deveriam se olhar como gênero humano. Masculino e feminino poderiam ser apenas, como se pensa biologicamente, subdivisões da anatomia. Em um processo de permanente busca de relações mais perfeitas, mais sensíveis, mais fortes e mais sólidas.



[1] LOURO, Guacyra. Teoria Queer in Um Corpo Estranho.
[2] SUAREZ, Mireya, et.al. Reflexões sobre a Noção de Crime Sexual.
[3] Lei Maria da Penha – Número 11.340, de 07 de agosto de 2006
[4] “Que a família comece e termine sabendo onde vai, / E que o homem carregue nos ombros a graça de um pai./ Que a mulher seja um céu de ternura, aconchego e calor / E que os filhos conheçam a força que brota do amor.” Padre Zezinho – Oração pela Família, Paulinas, 2000.
[5] Mais uma vez lembramos que a homossexualidade não faz parte deste estudo, assim o tratamento direto homem/mulher, masculino/feminino não pretende causar impactos ou ampliar o preconceito, apenas optamos por uma visão delimitada, neste artigo.
[6] Mullan, Peter (diretor), Inglaterra, 2002.
[7] DEAR, William. (diretor), 2005.
[8] ALMEIDA, J.S. Mulher e Educação: a paixão possível. UNESP,1998.
[9] Idem.
[10] ROSEMBERG, Fulvia. Educação formal, mulher e gênero no Brasil contemporâneo. Rev. Estud. Fem. v.9 n.2 Florianópolis 2001.
[11] Idem.
[12] Idem.
[13] NOGUEIRA, C.M. A feminização no mundo do trabalho. 2004
[14] Idem.
[15] MENICUCCI, 1999, p. 59, apud Nogueira, op. cit.
[16] LOURO, G.L. Gênero, Sexualidade e Educação.
[17] Idem.


REFERÊNCIAS

ALMEIDA, J.S. Mulher e Educação: a paixão possível. São Paulo:UNESP,1998.
DEAR, William. (diretor), A escola da Vida. Filme. EUA,2005
LOURO, G.L. Gênero, Sexualidade e Educação. 8 ed. Petrópolis: Vozes, 1997.
___________. Um Corpo Estranho. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
Mullan, Peter (diretor), Em Nome de Deus. Filme. Inglaterra, 2002.
NOGUEIRA, C.M. A feminização no mundo do trabalho. Campinas: Autores Associados, 2004.
ROSEMBERG, Fúlvia. Educação formal, mulher e gênero no Brasil contemporâneo. Rev. Estud. Fem., Florianópolis, v. 9, n. 2, 2001. Disponível em: . Acesso em: 06 Nov 2006. doi: 10.1590/S0104-026X2001000200011. SUAREZ, Mireya, et.al. Reflexões sobre a Noção de Crime Sexual. Série Antropologia. Brasília, 1995. disponível em <http://www.unb.br/ics/dan/Serie178empdf.pdf>, acesso em 30/10/2006.

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