domingo, 5 de outubro de 2008

ATÉ ONDE IREMOS?

ATÉ ONDE IREMOS?
Publicado originalmente no Jornal da FERP, 2003

MC Serginho. É esse o nome de um certo rapaz que junto com o parceiro Lacraia, tem levado multidões a repetirem uma “onomatopéia” que fascina as crianças, balança os jovens e empolga os adultos... Pelo menos alguns deles, que conseguem ver na tal “EGÜINHA POCOTÓ” alguma silhueta de música.

Prestigiada pela mídia, ocupando espaço nas tardes de domingo na TV, tocada nos rádios e nos bailes funks, a tal egüinha pocotó vem ultrajando os ouvidos de um gosto musical e levando abaixo do limite da tolerância a paciência de quem se preocupa com a qualidade na produção artística e cultural de seu povo.

Bem sabemos que essa moda pode ser passageira, que em breve pouquíssimas pessoas lembrarão de tal “música”. Então, por que se preocupar com esse evento? É simples: a discussão de tema como a produção musical de um país não pode ficar longe dos bancos escolares, principalmente no nível superior. E também pela análise da perda sucessiva de qualidade que vem grassando em nosso país. “Um tapinha não dói”, “As cachorras” e o horripilante “vai, Serginho” (do mesmo autor?), são provas preliminares que a mídia tem lançado a segundo plano as reflexões romÂnticas, políticas, poéticas, musicais e outras, de nomes como Chico Buarque, Belchior, Paulinho Moska, Caetano, Gilberto Gil, Arnaldo Antunes, Herbert Viana e outros que merecem ser ouvidos, analisados e imortalizados com o nome de artistas.

Uma outra questão demandada pelo galopante impacto da “egüinha pocotó” recai sobre a prática de sua execução em ambientes escolares, ônibus e vans que levam os miúdos às aulas e mesmo entre os professores. É no mínimo alarmante ver um professor incentivar crianças a construções desprovidas de letra, música, poesia, harmonia, sentido, conhecimento, coerência e tantas outras características que desempenham importante papel na formação de instrumentos artísticos, tão importantes colaboradores no processo ensino-aprendizagem.

Uma coisa é a agitação dos bailes funks, a venda de produtos de última categoria pela mídia, outra é a aprovação do sistema escolar a tais produções. Urge, portanto, que o meio acadêmico reconstrua sua visão sobre o que nossas crianças e adolescentes têm visto, e passe a participar de uma forma mais crítica e menos tolerante com as manifestações distorcidas da arte popular. Distorcidas, a partir do momento em que as raízes de qualquer manifestação genuinamente artística são invadidas e transformadas por interesses da exploração de sensualidade, da banalização e do hedonismo irresponsável. Se os cursos de licenciatura deixarem de continuar insistindo na importância de uma formação com melhores níveis para seus alunos, estes, futuros professores, poderão continuar reproduzindo com nossos pequenos a ideologia do sem-sentido, da vulgaridade, da exposição sexual e erótica das canções que vendem, fazem dançar, mas não podem dizer absolutamente nada.

E o pior é que essa mediocridade que, em seu conjunto, insistem em classificar as mulheres como cadelas e éguas, decidem, com o corpo, o que é que a população deve ouvir, comprar e reproduzir. Estamos bem perto do fundo do poço, se é que esse poço apresenta algum fundo.

Mas resta uma expectativa. Uma aluna do Ensino Médio colocou em um de meus trabalhos uma frase, sem citar o autor: “A única vantagem de se estar no fundo do poço, é que não se tem mais como descer. È imperativo subir”. É hora de subir, de chamar os jovens estudantes à reflexão e à mudança. É hora de ser capaz de mostrar que isto não é a cara do Brasil, não tem legitimidade de representação artística. Somos responsáveis por abrir a discussão. E que nos contestem os que tiverem argumentos.

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